Artigo publicado na Rets edição especial sobre o Fórum Social Mundial (edição de 21 de Janeiro):
"Visões de mundo estreitas, linguagem empobrecida, pouca diversidade de temas e personagens, monopólio, comprometimento com interesses políticos e financeiros: estes foram alguns dos problemas identificados na imprensa mundial pelo Global Media Watch – um observatório internacional do desempenho das empresas de comunicação e do jornalismo. O grupo, criado há pouco mais de um ano, com sede na França e articulações em cerca de dez países – entre os quais o Brasil – aproveitou este Fórum Social Mundial para realizar um seminário que fez um balanço crítico do comportamento da mídia nesse período.
O Media Watch reúne jornalistas, acadêmicos e os próprios leitores e se dedica à análise e à produção periódica de relatórios para monitorar a manipulação da informação – particularmente a manipulação econômica. Nesse sentido, uma tendência tem preocupado bastante nos últimos anos: a concentração da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucos empresários. Na França, segundo Bernard Cassen, diretor do Le Monde Diplomatique, dois grandes grupos dominam a mídia francesa. O mesmo fenômeno se dá nos Estados Unidos, onde Robert Murdoch acumula poderes, e na Itália, onde o maior empresário de mídia do país, Silvio Berlusconi, é também o chefe de Estado.
Nesse quadro, observa Roberto Savio, diretor da agência de notícias Inter Press Service (IPS), o jornalista passa a ser cada vez mais pressionado a publicar o que interessa ao empresário, a linguagem empobrece, reduzindo-se à tecnocracia e à veiculação de notícias sobre gente conhecida e que pode ser explicada com facilidade. Na outra ponta, o público – que tem direito a informação – recebe um conteúdo cada vez mais manipulado por interesses políticos e econômicos. “A linguagem do jornalismo vem sendo reduzida, assim como as equipes de jornalismo. O conteúdo se enfraquece e as notícias internacionais são cada vez menores”, lamenta Savio.
O perigo da concentração dos meios de comunicação foi lembrado também pelo jornalista brasileiro Carlos Tibúrcio, membro do Global Media Watch e assessor especial da Secretaria Geral a Presidência da República. As grandes corporações de mídia do Brasil estão passando por uma série crise financeira e existe a ameaça de aprovação da entrada do capital estrangeiro no controle acionário dessas empresas, que já encaminharam ao governo federal uma solicitação de auxílio financeiro. Destacando que falava apenas como cidadão, não como membro do governo, Tibúrcio disse acreditar que o governo vai adotar um programa de financiamento para evitar que aos meios de comunicação sejam adquiridos por estrangeiros. Para ele, é uma grande oportunidade para a sociedade brasileira exigir um compromisso com maior transparência e democratização por parte das empresas jornalísticas.
Exemplo disso, lembrou, foi o esforço do próprio Media Watch durante as eleições presidenciais de 2002. Um grupo formado por jornalistas, estudantes e professores acompanhou todo o noticiário dos quatro principais jornais do país ao longo do processo eleitoral, fazendo um controle qualitativo e quantitativo e cobrando coerência diante dos seus próprios compromissos de imparcialidade. Por várias vezes, esse trabalho levou os grupos jornalísticos a prestarem contas à sociedade.
Ao denunciar os interesses das grandes corporações, o Media Watch recebe críticas. Na verdade, elas começaram antes mesmo da oficialização do grupo. “Houve um ataque excessivo ao nosso observatório antes mesmo da sua criação”, conta Cassen. “Diziam: ‘vocês estão atentando contra a liberdade de imprensa e atacando individualmente jornalistas’. Ora, na verdade, estamos monitorando o que acontece na imprensa. As instituições de mídia são as únicas que não podem ser criticadas por quem está de fora, daí a necessidade deste trabalho”.
A senegalesa Diana Senghor, diretora do Instituto Panos da África Ocidental (IPAO), manteve o tom ao abordar o que chamou de “um dos efeitos colaterais da democratização da informação”: a quem a mídia deve vender suas notícias. Falando sobre a realidade africana, Senghor considera que as organizações nacionais de jornalistas são incapazes de enfrentar os desafios que se apresentam e critica o desinteresse da sociedade civil em relação ao tema.
Sobraram críticas também para a organização do próprio Fórum Social Mundial: “Quantos seminários, aqui, são dedicados à democratização da informação? Eu tentei contar, são menos de vinte”, argumentou. O professor Kamal Chenoy, membro do Comitê Organizador do Fórum e da equipe responsável pela programação, se justificou: “Procuramos organizar um mínimo de grandes eventos, deixando espaço para o máximo de atividades autogestionadas. Apenas um desses eventos era sobre mídia e cultura”. Chenoy pediu desculpas a Senghor e explicou que a organização teve dificuldades. “Por razoes políticas, não pudemos aceitar financiamentos de algumas agências internacionais – e claro que perdemos alguns milhões de dólares. No Brasil [onde foram realizadas as edições anteriores do Fórum], esses tipos de financiamento não são controversos como aqui”, defendeu-se. Para ele, não há dúvida sobre a importância da mídia nos dias de hoje. “Ela terá um papel de liderança na unificação das forças contra a dominação cultural promovida pela globalização. Por isso deve ser livre – não controlada pelo Estado, por um partido ou pelo mercado”.
Artigo publicado na Rets edição especial sobre o Fórum Social Mundial (edição de 21 de Janeiro):
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