sexta-feira, dezembro 19, 2003

Imigração: "Portugal tem de assumir a sua diversidade

Congresso na Fundação Calouste Gulbenkian

Sofia Branco
PUBLICO.PT

"Portugal tem de assumir a sua diversidade, a sua multiculturalidade", afirmou o jurista Geraldo Cruz Almeida, durante uma intervenção no I Congresso Imigração em Portugal, ao mesmo tempo que lamentava a não existência de "uma política séria de inclusão das minorias".

A tarde de hoje na Fundação Calouste Gulbenkian, que alberga o congresso organizado pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, compôs-se de dois debates, um sobre gestão da diversidade e outro sobre imigração e desenvolvimento.

O primeiro tema partiu de uma exposição do especialista em psicologia social Jorge Vala, que apresentou vários dados para concluir que os portugueses ainda são bastante preconceituosos em relação aos imigrantes, mas que actualmente os comportamentos discriminatórios são mais subtis, já que socialmente o racismo descarado deixou de ser bem aceite. Essa subtileza, exemplificou o professor, é nítida em casos como o de uma escola de Bragança, onde recentemente uma associação de pais se insurgiu contra a inclusão no estabelecimento de ensino de uma turma de risco, que incluía alguns alunos de etnia cigana.

Verónica Policarpo, ligada ao Observatório da Imigração, reconheceu também que "o racismo flagrante está em declínio", mas realçou que ainda continua a ser um problema real para os grupos discriminados. Na opinião da investigadora, "as pesquisas sobre imigração feitas até aqui são dominadas pela perspectiva das maiorias", sendo imperioso que se inclua o ponto de vista das minorias em causa.

As referências ao papel da comunicação social foram vastas no primeiro painel, tendo Verónica Policarpo apontado a sua capacidade para alterar os valores vigentes, corrigindo as crenças falsas e promovendo a rejeição de tradições em desuso. No entanto, indicou, os média tanto podem ser "vectores de anti-racismo" como "vectores de racismo", já que produzem um discurso sobre as minorias, mas feito pelas maiorias e para as maiorias. Jorge Vala tinha considerado antes que a comunicação social não é "muito sensível à discriminação".

Mas a apresentação mais apelativa do primeiro painel viria a ser a do jurista Geraldo Cruz Almeida, que soube usar alguns argumentos jurídicos para avaliar a realidade actual. Depois de referir que a questão da gestão da diversidade "é muito antiga", recuando ao tempo de Moisés e ao Velho Testamento e tendo estado presente nos gregos e nos romanos, o jurista defendeu que essa mesma gestão consiste num misto das leis do estrangeiro com as leis dos locais que o acolheram.

"Portugal tem de assumir a sua diversidade, a sua multiculturalidade", afirmou, lamentando a não existência de "uma política séria de inclusão das minorias".

"Portugal tem uma das leis que mais rejeitam a nacionalidade"

Além disso, referiu, quando o principal órgão de gestão dessa diversidade é o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), "um órgão policial", que pode, inclusivamente, "revogar decisões tomadas pelos consulados no estrangeiro", está-se "a oficializar o medo", como que a dizer que "essa gente diversa e estranha" que são os imigrantes precisa de ser vigiada. E Geraldo Cruz Almeida deu um exemplo muito concreto: a Lei da Imigração estabelece que são portugueses de origem os filhos de pais que residam no país há mais de seis anos; no entanto, a aplicação da lei pelo SEF muda o "são" para "presumem-se" e parte da ideia de que os filhos é que têm que viver no país há seis anos, ficando, portanto, durante esse período, sem nacionalidade.

Muito aplaudida, a intervenção encontraria eco na plateia, com o presidente da Casa do Brasil, Carlos Vianna, a afirmar que "Portugal tem uma das leis que mais rejeitam a nacionalidade", parecendo esquecer-se o tempo todo dos cinco milhões de emigrantes que tem espalhados pelo mundo.

Coube a João César das Neves iniciar o debate seguinte sobre a relação entre imigração e desenvolvimento. O economista começou logo por dizer que a imagem típica da imigração como uma mera busca de emprego e de melhores condições económicas é "falsa", realçando a existência de outros factores tão ou mais importantes.

Outra das conclusões dos estudos apresentados pelo orador exclui a correlação entre a imigração e a redução do salário dos locais, já que os estrangeiros ocupam, normalmente, postos de trabalho que os nacionais não querem. Isto invalida também a ideia de que o aumento da imigração favorece a subida dos índices de desemprego.

A também economista Maria Baganha acrescentou que há uma "relação directa e efectiva entre a imigração e o aumento do bem-estar dos imigrantes e seus descendentes", enquanto um eventual impacte no aumento do custo de vida "nunca se provou".

Pode ainda concluir-se que os fluxos migratórios dão-se geralmente no sentido dos países menos desenvolvidos para o países mais desenvolvidos, mesmo quando acontecem no seio de uma área geográfica subdesenvolvida, salientou a economista.

Para o presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, quando se pensa nos efeitos da imigração "não há razão para pessimismo", embora se deva "moderar o optimismo", principalmente no que toca às expectativas dos que emigram. Francisco Van Zeller vê a diferença cultural como um factor de desenvolvimento e considera que "Portugal ficou demasiado monocultural e tem necessidade de diversidade" para melhorar o seu desempenho.

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